segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um pouco sobre o mercado financeiro

Stephen Kanitz

A maioria dos leitores deve achar uma maluquice as seguidas oscilações nas bolsas de valores.
"Prefiro aplicar em imóveis, é mais seguro."
"Bolsa é para quem tem estômago, meu negócio é fundo DI."
"Bolsa de valores é um mercado de risco, estou fora." Felizmente, a verdade é outra.
Todo dia, menos de 1% das ações é transacionado na bolsa.

Na próxima vez em que você ler que "a bolsa cai 10% num dia de intenso nervosismo", lembre-se de que 99% dos investidores nem tomaram conhecimento.

A maioria não vendeu suas posições, só os apavorados o fizeram.
Nem o 1% que vendeu em pânico necessariamente perdeu dinheiro, muito menos 10%.

Quem comprou ações dois anos atrás vendeu-as com lucro, mesmo que tenham caído no dia exato da venda. Portanto, por que tanta comoção?

Se, em vez de ações na bolsa, você tivesse comprado um flat service num bairro qualquer, um quadro do Scliar ou um livro raro de Camões, você nem saberia quanto o valor desses objetos oscilou nesse "dia de intenso nervosismo".

Provavelmente, os preços desses objetos permaneceram na mesma, simplesmente porque ninguém comprou algo parecido no dia.

Na próxima crise financeira, tente vender seu apartamento, seu quadro ou seu livro raro em cinco minutos, como se faz na Bolsa de Valores de São Paulo.

Você simplesmente não vai conseguir, não há bolsa de livros raros, nem de quadros famosos, nem de flat services com movimentação e preços diários.

Se você realmente precisar de dinheiro, provavelmente um corretor poderá vender o que você quer com 30% de desconto, anunciando o que se chama de galinha-morta.

O jornalismo econômico comete enorme injustiça com o mercado de ações, só porque a bolsa de valores é transparente, divulga tudo on-line, tem preços minuto a minuto, o que permite que os jornalistas tenham assunto todo dia.

Isso não ocorre no setor de imóveis, de quadros nem no de livros raros.

Quadros, livros e imóveis ilíquidos num dia de nervosismo valem zero para quem precisa desesperadamente de dinheiro. Mas isso ninguém divulga.

Como todo administrador financeiro saberá lhe explicar, o que varia de fato de um dia para outro é o preço que você paga para ter liquidez imediata.

Em dias de "intenso nervosismo", é o preço por liquidez que aumenta, não é o preço da ação que cai.

Você poderia ganhar fortunas comprando nessas horas, oferecendo liquidez a gringos apavorados, mas, se você é levado a acreditar que o mundo está despencando, provavelmente sairá vendendo também.

Em dias de "intenso nervosismo", o preço por liquidez poderá ir para 10% do valor da ação e 30% do valor do imóvel.

Só que 99% das pessoas se recusam a pagar esse preço por liquidez – preferem esperar que as coisas se acalmem, no que fazem muito bem.

O que ninguém noticia nessas horas de "intenso nervosismo" é que todo dia metade das pessoas está comprando o que a outra metade está vendendo.

A metade otimista compra da metade pessimista.

Se incluirmos os 99% que continuam com suas ações, mostrando portanto certo otimismo com relação ao futuro, todo dia tem muito mais otimistas por aí do que pessimistas.

Na próxima vez em que você ouvir um comentário de que a bolsa é um mercado de risco, pense duas vezes. A volatilidade da bolsa é bem menor que a dos imóveis, quadros e livros raros, justamente por que tem sempre alguém comprando, mesmo durante uma crise.

Do ponto de vista financeiro, a volatilidade de algo invendável num dia de "intenso nervosismo" é 100%, mas eu concordo que essa posição é um tanto polêmica, e nem todos irão concordar.

Meu ponto, porém, é outro: não é justo considerar alguns mercados "voláteis" somente porque permitem ao comprador vender tudo em questão de minutos, o que não ocorre com quadros, imóveis nem livros raros.

Ações de terceira linha também não têm liquidez imediata, e investidores dessas ações esperam dias melhores, como fazem os de imóveis e livros raros.

Mas isso não significa que sejam menos voláteis, simplesmente significa que nesses outros mercados não há cotações nem negócios realizados para virar manchete de jornal.

Stephen Kanitz
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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Violência Assimétrica no Lar.

Violência Assimétrica


Por Stephen Kanitz,

Um dia, o campeão mundial de pugilismo Éder Jofre me procurou pedindo ajuda para abrir uma ONG.
Ele queria ensinar pugilismo para meninos de favela.
Ele havia percorrido empresas à busca de patrocinadores, mas a maioria simplesmente não queria nem conversar, muito menos patrocinar um projeto que, segundo eles, estimulasse a violência.
“Você está louco, Éder? Nós somos da paz”.
“Você não sabe que violência gera violência?”
Éder Jofre me perguntou se eu sabia qual era o profissional que menos batia nos filhos. “Pugilistas”, respondeu ele.
Quem bate nos outros sistematicamente sabe que vai levar um soco de volta na certa.
Pugilistas e seus filhos aprendem bem cedo a serem responsáveis pelos seus atos.
Todos nós aprendemos nas escolas que violência gera violência e que a solução para contê-la é justamente a oposta: é “ser da paz”, e “virar a outra face”.
Hoje sabemos, graças às análises advindas da teoria dos jogos e da genética comportamental, que essa visão é equivocada. Essas análises matemáticas mostram justamente o contrário.
É a violência assimétrica que gera mais violência.
É a violência sem revide, sem contrapartida, ignorada, que leva a mais violência. Quando a violência natural de um filho é ignorada, ela vai aumentando sem limites.
No fundo, boa parte da violência é uma forma de comunicação, uma comunicação violenta. Bater e grafitar a parede do vizinho são formas de comunicação que extrapolam os limites da ética.
Não estou aqui propondo revidar à altura, muito menos revidar com uma bomba nuclear.
O que se defende é que pequenas violências precisam ser revidadas com pequenos limites e rápidas ações corretivas enquanto a violência ainda é mínima.
Requer ação contínua, e não o "eu vou contar tudo para o seu pai quando ele vier sábado que vem, no dia de visitação".
Por isso pai que é pai tem de estar presente. Esta é, infelizmente, uma das tarefas que culturamente ficou a cargo dos pais.
Este conceito de combate à violência era adotado há 10.000 anos.
Era o "olho por olho", que hoje é mal visto.
Era um princípio de educação social que exigia atenção contínua a cada ato de violência.
O que não significa que o revide fosse na mesma intensidade.
O problema do "olho por olho" é que se não for ensinado corretamente, pode extrapolar e piorar a situação. Como muitas vezes ocorria.
Entre as famílias, um olho por olho mal conduzido às vezes não terminava, e durava um século.
Ou então, a briga começava por uma besteira e escalava para um conflito perigoso.
É aqui que surge a grande inovação no conselho cristão de "virar a outra face".
Se um dos lados envolvidos numa sequência de "olho por olho" não virar a outra face de vez em quando, os conflitos inter famílias e inter tribos poderiam nunca cessar.
Perdoar de vez em quando é bem diferente do que perdoar sempre e aceitar violências contra si indiscriminadamente, sem reagir.
Portanto, a função do pai de família é ser severo, impor limites, até com algumas punições, mas sempre pontuais - e, acima de tudo, perdoar de vez em quando.
É balancear, de vez em quando o "olho por olho" e o "virar a outra face".
Quando os pais não estão presentes ou não são atuantes neste balanceamento delicado no seio de suas famílias, criam-se filhos que acabam se acostumando com a violência assimétrica, em que não há contrapartida, em que a violência corre solta.
Daniel Patrick Moynihan, no seu livro “Family and Nation”, já argumentava que não era a pobreza que desestruturava a família, era a desestruturação da família que gerava a pobreza.
Uma afirmação corajosa na época, e que até hoje é considerada politicamente incorreta.
Daniel era um sociólogo democrata, o que somente aumentou a celeuma em torno de sua constatação pelos seus colegas de partido.
Ele apontava que 25% dos negros americanos não tinham os pais morando em casa, e que isso somente iria aumentar a violência da população negra americana. Detalhe: isso foi escrito em 1960.
Sua previsão se confirmou, pois, nestes quarenta anos, nos Estados Unidos, o número de jovens negros sem pais aumentou para 68% das famílias.
Existem mais negros adolescentes nas prisões do que nas faculdades; e a chance de um negro ser assassinado por um branco é de uma em vinte, e de ser assassinado por outro negro é de dezenove em vinte.
Os Estados Unidos não têm só um problema racial; eles têm um problema, antes de tudo, de desestruturação de suas famílias.
A encrenca americana é que a população branca também está indo pelo mesmo caminho.
Hoje, 35% dos jovens brancos não têm mais um pai como membro da família.
Homens normalmente brigam com seus filhos com jogos de empurra-empurra, luta corpo a corpo e briguinhas de brincadeira.
Tudo faz parte de uma herança cultural milenar e de uma herança genética ainda mais longa. Você já viu animais e cachorros fazendo a mesmíssima coisa.
São jogos de baixa violência e têm um valor didático. Exagerou, apanhou. Mordeu, de fato será mordido.
Cachorros não mordem seus irmãos, só fingem.
Brincando de casinha e bonequinha, sonhos de nossas feministas, uma criança do sexo masculino aprende outras coisas, mas nunca a controlar a sua violência física.
Justamente o contrário: a violência aumenta quando não revidamos.
Esta é a grande lição que algumas mulheres, que preferem aguentar quietas as violências que aturam, precisam aprender.
Ficar quieto aumenta a violência. Não revidar significa legitimar a violência assimétrica.
Se você é um pai separado, provavelmente não usará os poucos momentos que você tem no “seu dia” com as crianças para colocar limites. Seu objetivo será mimá-los.
Se você é um pai separado, sequer estará presente para reagir imediatamente de forma moderada nas várias pequenas violências que seus filhos irão perpetrar.
O olho por olho com moderação não irá prevalecer na sua família. Sua ex-esposa irá acumular reclamações para que você, no domingo à tarde, dia de visitação, discuta o assunto com sua filha ou filho.
"Mamãe me contou que na terça você fez isso, na quinta fez aquilo, e no sábado, ontem, fez assado.
Eu já disse, meu filho, que você não pode atazanar a mamãe, e por isso vou tirar seu cartão de crédito por um mês."
Gilbert and Sullivan, dois compositores ingleses, têm uma canção que diz "a punição sempre deve corresponder à gravidade do crime".
Só eles para colocarem uma frase como essa numa canção.
Mas poetas deveriam fazer justamente isso: colocar em verso e prosa as regras morais de seu povo. Nunca exagerar na dose da punição.
Punir em dose tripla os três casos da semana, só porque você é separado, somente tornará seu filho violento, pois ele achará a punição injusta.
A traquinagem de terça deveria ter sido discutida na terça, e não acumulada a mais dois eventos no domingo à tarde.
Deixar outras travessuras passar em branco, porque você não as presenciou ou porque acha que a mãe está exagerando, também não gera uma família que combate a violência assimétrica. Pelo contrário: adota-a.
Todo e qualquer deslize deve ser tratado com pequenos avisos ou amenas admoestações. Para isso, são necessários pais presentes, atentos e carinhosos.

Disponível em: http://tinyurl.com/658cjl7