Violência Assimétrica
Por Stephen Kanitz,
Um dia, o campeão mundial de pugilismo Éder Jofre me procurou pedindo ajuda para abrir uma ONG.
Ele queria ensinar pugilismo para meninos de favela.
Ele havia percorrido empresas à busca de patrocinadores, mas a maioria simplesmente não queria nem conversar, muito menos patrocinar um projeto que, segundo eles, estimulasse a violência.
“Você está louco, Éder? Nós somos da paz”.
“Você não sabe que violência gera violência?”
Éder Jofre me perguntou se eu sabia qual era o profissional que menos batia nos filhos. “Pugilistas”, respondeu ele.
Quem bate nos outros sistematicamente sabe que vai levar um soco de volta na certa.
Pugilistas e seus filhos aprendem bem cedo a serem responsáveis pelos seus atos.
Todos nós aprendemos nas escolas que violência gera violência e que a solução para contê-la é justamente a oposta: é “ser da paz”, e “virar a outra face”.
Hoje sabemos, graças às análises advindas da teoria dos jogos e da genética comportamental, que essa visão é equivocada. Essas análises matemáticas mostram justamente o contrário.
É a violência assimétrica que gera mais violência.
É a violência sem revide, sem contrapartida, ignorada, que leva a mais violência. Quando a violência natural de um filho é ignorada, ela vai aumentando sem limites.
No fundo, boa parte da violência é uma forma de comunicação, uma comunicação violenta. Bater e grafitar a parede do vizinho são formas de comunicação que extrapolam os limites da ética.
Não estou aqui propondo revidar à altura, muito menos revidar com uma bomba nuclear.
O que se defende é que pequenas violências precisam ser revidadas com pequenos limites e rápidas ações corretivas enquanto a violência ainda é mínima.
Requer ação contínua, e não o "eu vou contar tudo para o seu pai quando ele vier sábado que vem, no dia de visitação".
Por isso pai que é pai tem de estar presente. Esta é, infelizmente, uma das tarefas que culturamente ficou a cargo dos pais.
Este conceito de combate à violência era adotado há 10.000 anos.
Era o "olho por olho", que hoje é mal visto.
Era um princípio de educação social que exigia atenção contínua a cada ato de violência.
O que não significa que o revide fosse na mesma intensidade.
O problema do "olho por olho" é que se não for ensinado corretamente, pode extrapolar e piorar a situação. Como muitas vezes ocorria.
Entre as famílias, um olho por olho mal conduzido às vezes não terminava, e durava um século.
Ou então, a briga começava por uma besteira e escalava para um conflito perigoso.
É aqui que surge a grande inovação no conselho cristão de "virar a outra face".
Se um dos lados envolvidos numa sequência de "olho por olho" não virar a outra face de vez em quando, os conflitos inter famílias e inter tribos poderiam nunca cessar.
Perdoar de vez em quando é bem diferente do que perdoar sempre e aceitar violências contra si indiscriminadamente, sem reagir.
Portanto, a função do pai de família é ser severo, impor limites, até com algumas punições, mas sempre pontuais - e, acima de tudo, perdoar de vez em quando.
É balancear, de vez em quando o "olho por olho" e o "virar a outra face".
Quando os pais não estão presentes ou não são atuantes neste balanceamento delicado no seio de suas famílias, criam-se filhos que acabam se acostumando com a violência assimétrica, em que não há contrapartida, em que a violência corre solta.
Daniel Patrick Moynihan, no seu livro “Family and Nation”, já argumentava que não era a pobreza que desestruturava a família, era a desestruturação da família que gerava a pobreza.
Uma afirmação corajosa na época, e que até hoje é considerada politicamente incorreta.
Daniel era um sociólogo democrata, o que somente aumentou a celeuma em torno de sua constatação pelos seus colegas de partido.
Ele apontava que 25% dos negros americanos não tinham os pais morando em casa, e que isso somente iria aumentar a violência da população negra americana. Detalhe: isso foi escrito em 1960.
Sua previsão se confirmou, pois, nestes quarenta anos, nos Estados Unidos, o número de jovens negros sem pais aumentou para 68% das famílias.
Existem mais negros adolescentes nas prisões do que nas faculdades; e a chance de um negro ser assassinado por um branco é de uma em vinte, e de ser assassinado por outro negro é de dezenove em vinte.
Os Estados Unidos não têm só um problema racial; eles têm um problema, antes de tudo, de desestruturação de suas famílias.
A encrenca americana é que a população branca também está indo pelo mesmo caminho.
Hoje, 35% dos jovens brancos não têm mais um pai como membro da família.
Homens normalmente brigam com seus filhos com jogos de empurra-empurra, luta corpo a corpo e briguinhas de brincadeira.
Tudo faz parte de uma herança cultural milenar e de uma herança genética ainda mais longa. Você já viu animais e cachorros fazendo a mesmíssima coisa.
São jogos de baixa violência e têm um valor didático. Exagerou, apanhou. Mordeu, de fato será mordido.
Cachorros não mordem seus irmãos, só fingem.
Brincando de casinha e bonequinha, sonhos de nossas feministas, uma criança do sexo masculino aprende outras coisas, mas nunca a controlar a sua violência física.
Justamente o contrário: a violência aumenta quando não revidamos.
Esta é a grande lição que algumas mulheres, que preferem aguentar quietas as violências que aturam, precisam aprender.
Ficar quieto aumenta a violência. Não revidar significa legitimar a violência assimétrica.
Se você é um pai separado, provavelmente não usará os poucos momentos que você tem no “seu dia” com as crianças para colocar limites. Seu objetivo será mimá-los.
Se você é um pai separado, sequer estará presente para reagir imediatamente de forma moderada nas várias pequenas violências que seus filhos irão perpetrar.
O olho por olho com moderação não irá prevalecer na sua família. Sua ex-esposa irá acumular reclamações para que você, no domingo à tarde, dia de visitação, discuta o assunto com sua filha ou filho.
"Mamãe me contou que na terça você fez isso, na quinta fez aquilo, e no sábado, ontem, fez assado.
Eu já disse, meu filho, que você não pode atazanar a mamãe, e por isso vou tirar seu cartão de crédito por um mês."
Gilbert and Sullivan, dois compositores ingleses, têm uma canção que diz "a punição sempre deve corresponder à gravidade do crime".
Só eles para colocarem uma frase como essa numa canção.
Mas poetas deveriam fazer justamente isso: colocar em verso e prosa as regras morais de seu povo. Nunca exagerar na dose da punição.
Punir em dose tripla os três casos da semana, só porque você é separado, somente tornará seu filho violento, pois ele achará a punição injusta.
A traquinagem de terça deveria ter sido discutida na terça, e não acumulada a mais dois eventos no domingo à tarde.
Deixar outras travessuras passar em branco, porque você não as presenciou ou porque acha que a mãe está exagerando, também não gera uma família que combate a violência assimétrica. Pelo contrário: adota-a.
Todo e qualquer deslize deve ser tratado com pequenos avisos ou amenas admoestações. Para isso, são necessários pais presentes, atentos e carinhosos.
Disponível em: http://tinyurl.com/658cjl7
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